segunda-feira, 10 de junho de 2013

ESQUENTA É O PROGRAMA MAIS PRECONCEITUOSO DA TELEVISÃO

O Esquenta é o programa mais conservador da televisão brasileira. É uma versão barulhenta e colorida de velhos costumes. Num primeiro olhar, parece uma grande festa na periferia, na qual as gírias, danças e modas de regiões com IDH baixo e criminalidade alta são irradiadas para todo o país pela tevê.


Vemos meninos contorcendo as articulações em performances de passinho, meninas com minissaia e microvocabulário, rapazes negros com cabelos louros e óculos espelhados de cores berrantes rodando o salão felizes e eufóricos. A festa mistura samba, funk, estilo de vida despreocupado e despudorado, concurso de beleza, humor, artistas de novela, enfim, para usar um termo bem periférico, “tudo junto e misturado”.
Essas características, apenas, não me incomodam. Não sou quadrado, respeito e até admiro algumas formas de cultura vindas do gueto e abuso do direito de desligar a TV. O que me irrita, e muito, e faz com que chame o programa de conservador e escravocrata é a cor de pele predominante nessa festa maluca.
Certamente o Esquenta é o programa com o maior percentual de negros da TV aberta. Enquanto as novelas, seriados e telejornais são predominantemente caucasianos, quem manda ali são os negros e pardos.
É esse o ponto. O programa reforça o estereótipo dos negros brasileiros como indivíduos suburbanos, subempregados, mas ainda assim felizes, sempre com um sorriso no rosto, esquecendo-se das mazelas cotidianas por meio da dança, do remelexo, das rimas pobres do funk, do mau gosto de penteados e cortes de cabelo extravagantes.
Sou negro e não sei sambar, não pinto meu cabelo de louro, não uso cordões, não ando gingando nem falo em dialeto. Não sou exceção, felizmente. Sei que há muitos caras e moças como eu. Muitos são poliglotas, outros gostam de música clássica, vários gostam mais de livros do que de pessoas, outros reclamam do calor da Brasil, certamente há os que são introspectivos e de poucas palavras, e há os que nem sentem falta do feijão quando viajam para o exterior.
Embora o Esquenta não tenha a proposta de ser um programa sobre cultura negra, ele ajuda a construir um estereótipo. Por que as novelas não têm galãs negros ou musas negras? Faça a lista dos galãs e das musas televisivas e depois veja quantos são negros. O número será irrisório.
O Esquenta ajuda a manter essa ordem. Em vez de rapazes elegantes, mostra dançarinos com cabelos bizarros. As moças, sempre de shorts minúsculos e prosódias vulgares, nunca serviriam de modelo para capas da Marie Claire ou da Claudia.
Regina Casé e seu programa parecem dizer aos jovens dos guetos: “Ei, isso mesmo, aprendam passinho, aprendam a rebolar até o chão, continuem com seu linguajar próprio, porque tudo isso é lindo, é legal, é Brasil, é tudo junto e misturado, continuem com seus empregos modestos, porque a vida é agora, é para ser vivida, curtida, com alegria, malemolência, sempre com um sorriso no rosto”.
E assim, aquela menina sentada no sofá vai continuar achando o máximo desfilar com pouca roupa e pelos das pernas pintados de loiros pela comunidade. Nunca vai pensar em aprender a falar alemão ou tentar entender os grafites de Banksy, da mesma forma que os rapazes nunca sonharão em trabalhar no Itamaraty e praticarão bullying contra os meninos polidos que não falam em dialeto e inventam de estudar violino, já que um programa televisivo de uma das principais emissoras do país legitima seu estilo de vida mal educado e de poucas perspectivas.
Como um coronel oligarca e cínico, o programa dá uma recado para a garotada negra e parda da periferia: “É isso, dancem, cantem, divirtam-se. Mas não saiam do seu lugar”.

AUTOR: Marcos Sacramento
FONTE: 
http://contextolivre.blogspot.com.br/

10 comentários:

  1. Não sou telespectadora da globo, entretanto acho que o autor do texto se esqueceu de mencionar que em todos os programas "dela" (pq sim, eu desconecto da internet para ver o programa "dela") existem entrevistas, depoimentos, reflexões sobre diversos temas. Sempre sob a perspectiva das desigualdades sociais/raciais que perpassam nossa sociedade. Pessoas bem sucedidas (brancas e negras) sempre tem voz na atração, mas sem a "neutralidade" que a maioria de veículos de comunicação tenta oferecer. O argumento de que a justiça é intrínseca ao sistema meritocrático é muito fraco. Quem acreditaria que uma pessoa bem sucedida no Brasil não teve um caminho mais difícil se pertencente a um dos grupos historicamente prejudicados (negros, pobres, mulheres, deficientes, homossexuais). A ideia de uma pretensa equidade é um belo tiro no pé. Não ressaltar as diferenças e as diferentes trajetórias que são condicionadas pelas injustiças sociais/culturais do Brasil só ajuda a reforçá-las (afinal, para que criar mecanismos para melhorar o que já está bom?). A democracia racial pode ser até um bom quadro analítico para entendermos pq no nosso país não existem conflitos violentos institucionalizados entre grupos minoritários. Mas certamente mascara as verdadeiras relações sociais, que se desenvolvem por baixo dos panos. Porque eu não tenho preconceito, mas o meu vizinho...

    0 programa acerta quando levanta a bandeira do "xô preconceito" e esse texto só me faz ter mais certeza disso. Como alguém pode criticar um programa de ser racista e conservador enquanto fala com tanto desprezo da cultura popular brasileira? Os meninos pintam o cabelo de amarelo e fazem a dança do passinho, mas poderiam estar estar pintando de preto e quebrando tudo ao som do rock'n'roll. Certamente os meninos que moram em seu condomínio se enquadram no segundo grupo. E pode ter certeza de que isso não se dá porque um padrão cultural é melhor do que o outro. Porque cá para nós, a gente sabe que isso não existe. O que existe é a glamourização de um em detrimento do outro. E é realmente admirável como, após ser exposta à cultura popular filtrada e legitimada pela mídia, a juventude burguesa se joga no funk.

    Sobre as moças de short curto e cabelo nas pernas... aff.. seria uma conversa tão grande, né? A começar pelo machismo que exala de toda essa crítica, passando mais uma vez pela definição do que é chique (e da importância de se ser chique) e chegando ao ápice: as capas da Marie Claire e da Claudia. Gente, que absurdo! Um programa que não apresenta moças dignas de estamparem duas publicações que promovem um padrão de beleza irreal, abusam do photo shop e da ostentação material e o melhor: dão dicas valiosas de como conquistar seu homem, amarrar seu homem, dar orgasmos para seu homem, cozinhar para seu homem, ser bonita para seu homem.... Poxa... mas nem para colocar uma negra bem vestida e de cabelo esticado digna de uma capa dessas revistas. Mas espera um pouco. Quantas mulheres negras/pobres aparecem nas capas dessas revistas? Quantas mulheres negras/pobres são apresentadas como modelos de mulheres bem sucedidas e que agarram seus homens?

    Será que o problema é do programa "dela" que não apresenta pessoas adaptadas ao padrão cultural legitimado ou a culpa é da mídia que só aceita um padrão (o da classe burguesa) como digno?

    Falar de uma cultura da periferia já é uma violência, na medida em que homogeniza um universo de comportamentos e sistemas de crenças que são ricos e diversos. Mas ok, ainda que exista uma cultura da periferia, qual o problema de dar visibilidade a ela? Acredito que uma sociedade é mais saudável tanto quanto mais seus cidadãos estiverem expostos às diferentes realidades. As pessoas devem ter liberdade a transitar por onde bem entenderem, mas para que isso aconteça duas coisas são imprescindíveis: 1) a legitimação de todas as formas de expressão e 2) o reconhecimento das barreiras construídas socialmente e que impedem a realização completa do ser.

    Mariana Dias

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    1. Mariana, minha admiração pela lucidez do seu texto!

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    2. Mariana, que ótimo comentário! Não te conheço, mas a julgar por suas poucas palavras tenho que te dizer que já ganhastes minha admiração. Diferentemente do texto apresentado, o seu foi um comentário "neutro", livre de estigmas e preconceitos. Meus parabéns! Continue assim. Um abraço!

      Hugo Torres

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    3. Bela reflexão Mariana,especialmente a denuncia que faz sobre o machismo incrustado no texto. A TV esta repleta de programas que mostram pessoas em contextos específicos,geralmente caricaturados,o que nos da possibilidade de aproximação a diversidade. Eu gosto do programa da Regina pelo conteúdo ,pela forma desencanada que ela mostra o processo criativo e os ritmos que vertem soberanos e irreverentes na nossa cultura .Marie Claire e da Claudia? Isso me lembra aquelas estatuas de pinguins de geladeira,sempre iguais e sem vida.

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    4. Nossa, onde eu clico em "curtir mil vezes"? Falou tudo que eu queria dizer.

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  2. Valores burgueses não, valores do Marcos!! Mudo sempre de canal quando começa esse programa, porque não acho interessante o que se passa lá, e acho que a emissora tem muitas opções para ocupar esse tempo nas tardes do fds. Acho legal que cada um tenha sua cultura, suas danças, seus dialetos, etc., mas o que discordo é colocar isso na tv quando nem todos se interessam por esse tipo de informação.

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  3. Nem todos se interessam pelo BBB e continua no ar, nem todos se interessam pelo Zorra Total e continua lá, nem todos curtem o JN e continua lá manipulando informação. a Globo jamais deixaria no ar um programa que não tivesse audiência suficiente para manter os patrocinadores, então tem muita gente vendo. "Sim a diversidade, mas bem longe de mim"...a essência do preconceito velado neste país

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  4. "seu estilo de vida mal educado"??? Essa foi péssima. Você julgar toda essa cultura, boa ou ruim, como "mal educado" não tem cabimento. Concordo com todo o resto, quanto a estereotipização principalmente.

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  5. Nossa é um programa onde tem a oportunidade de mostrar o que não se vê, pois as noticias que querem mostrar é só de matança e destruição assim mostra que existem moradores dignos que fazem sua cultura seja com roupa, cabelo ou música.Chega ser engraçado poque quando se comenta dessas revistas de padrão de beleza é tudo engolido sem uma critica até esses programas com pessoas famosas fazendo comidas com nomes estranhos em lugares lindos e que pra eles é de sua altura ninguém fala nada simplesmente é engolido por nós,agora querem vir dar pitaco no programa da Regina só porque não tem esse estereótipo,mostra o que já era para ser visto a muito tempo.Vamos nos preocupar com outras coisas,em nos unirmos para um Brasil melhor sem diferenças e preconceitos.

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  6. Acho valido todo tipo de de manifestação mas sempre e bom lembrar tem que se respeitar a todos e seu estilo de de vida, o fato da emissora transmitir o programa so nos diz que tem gosto para tudo e ser um programa que e bem humorado em primeiro lugar ja ta valendo.Se não conhecemos a realidade das pessoas não da para julgar então so digo respeito e o principio de qualquer discussão.

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